Agora mesmo, eles poderiam estar em casa com a família. A menina Maria Eduarda Rissi, de apenas três anos, brincando como sempre. E o rapaz Márcio Paulo de Souza, 27 anos, trabalhando com o pai, pedreiro, e junto ao irmão deficiente, que protegia.
Mas foram duas vidas perdidas, precocemente. Os dois casos que se sucederam num prazo de apenas 10 dias, depois que as vítimas foram picadas por escorpião amarelo e por cascavel, estão enquadrados pela Policia Civil como “morte a esclarecer”.
No caso da menina, o diretor do Civitox (Centro Integrado de Vigilância Toxicológica) Sandro Benites, falou em “fatalidade”. No de Márcio, que ficou dentro do Hospital Regional por horas esperando pelo soro que poderia salvá-lo, a direção do HR informou que abriu uma sindicância, mas adiantou que “em nenhum momento houve omissão de socorro ao paciente”.
Mas essa pode não ser a verdade. Pelo menos é o que apontam as revelações do próprio diretor do Civitox, Sandro Benites, à reportagem do Midiamax. Na entrevista, o diretor relata o contínuo esvaziamento da unidade que já foi referência em tratamento toxicológico no país, desde que o Civitox foi transferido de dentro do pronto socorro do HR, onde funcionava há seis anos, para o centro da cidade, em abril de 2010.
Desde então, segundo o relato do diretor, o Civitox perdeu médicos, profissionais especializados e estagiários, mas que não foram repostos pela secretaria de Saúde, nem em número, nem em qualidade.
Segundo Benites, o Civitox praticamente não efetuou treinamentos com os médicos do HR e do interior, nos postos de saúde e com os paramédicos do Samu - que não são especializados em toxicologia, mas fazem o atendimento total aos pacientes envenenados.
As limitações do Civitox são tão grandes que o contato de seus especialistas com os médicos do pronto-socorro do Hospital Regional é feito por telefone, segundo o diretor. Mesmo que a distância entre pacientes graves, em com risco de morte, e o Civitox seja de apenas alguns poucos quilômetros.
Sobre a reposição dos especialistas que deixaram a unidade em troca de um trabalho melhor, Sandro Benites chega ao ponto de dizer que ter um médico de plantão no Civitox, por 24 horas, todos os dias, seria um “sonho”.
O diretor se referia aos centros semelhantes de outras cidades brasileiras, também fora dos hospitais, mas que estão adequadamente aparelhados.
Sandro Benites afirmou que no Civitox, dentro do HR, “existiam três médicos, um deles psiquiatra (para tentativas de suicídio), cinco farmacêuticos, dois biólogos, uma veterinária, assistentes sociais, e um grupo de estagiários que toda semana, uma ou duas vezes por semana, a gente fazia a reciclagem deles, com aulas ministradas para eles e os próprios profissionais”.
Comparando com a situação atual, o diretor afirmou: “Hoje nós temos três farmacêuticos, dois biólogos, um deles cedido pela secretaria de Educação, e dois médicos. Os centros de outros estados tem muitos mais médicos que farmacêuticos. Tem centro que 24 horas por dia são cobertos por médicos, isso acho que seria um sonho, o ideal, um médico, capacitado, para estar dando esse tipo de informação dentro de um centro”.
O que se pode deduzir, e é mais grave, é que no Civitox nem sempre quem repassa as informações, e por telefone, é um médico especializado.
Entrevistas revelam que demora no atendimento provocou mortesSegundo o que já foi amplamente noticiado, a menina foi picada por volta de 19 horas, e os pais a levaram para a UPA Coronel Antonino, onde Maria Eduarda ficou recebendo antialérgicos e analgésicos, até às 22h30. Por volta das 23 horas, ela foi internada no Hospital Regional, em estado grave, e veio a falecer no dia seguinte.
Depois da morte da garotinha, Benites afirmou à imprensa que “o veneno deste escorpião amarelo ataca diretamente o coração, e se não tomar o soro rapidamente, a evolução é fatal”. Rapidamente, com presença de vômito, são 15 minutos.
O caso pode retratar a falta de treinamento em toxicologia da rede de atendimento, como Sandro Benites reportou ao Midiamax.
Segundo o Samu, a menina foi encaminhada para a UPA por indicação da central de regulação, porque o caso não era grave.Ainda não, porque a criança acabara de ser picada, e o veneno só estava começando a circular por todo o seu organismo, provocando vômitos – que indica o alastramento da intoxicação, segundo o diretor.
Pai de Marcio passou a madrugada implorando por atendimento no HR Para comprovar a real situação da rede de atendimento às pessoas envenenadas por animais peçonhentos, a reportagem colheu o relato desesperado de Milton de Souza, o pai de Márcio. O pai relatou o drama vivido pelo filho e por ele, durante 15 horas, em busca de atendimento.
Ainda abalado,o pedreiro relatou todo o agravamento do estado de saúde do rapaz, provocado pelo veneno de cascavel, até que ele morresse, no final da manhã seguinte. O pedreiro não sabia que estava presenciando o alastramento do veneno no corpo do filho, que ele chamava de “meu guri”.
Fonte MIDIAMAX - Campo Grande / MS
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